quarta-feira, 2 de junho de 2010

tijolos constroem asas

Querida casa,

abandono-te hoje, com a insegurança dos passos. desculpa-me sair no meio da noite, com atitude de quem não tem coragem para assumir o que fez. tenho de ir, não é por não querer ficar em ti mas porque há mais sítios mais casas mais caras mais emoções que aqui, em ti, já não consigo sentir. é da protecção que fujo e me atiro para a invenção de novas horas, com a abertura para sofrer de novo o nervosismo do desconhecido. já me esqueci de todo o tempo que passei longe, não ficou marcado no meu corpo e pouco ficou no coração, porque aqui estou e tu, tudo apagas e tornas menos vivo. querida casa, não penses que não te sinto, sinto-te aqui, comigo, todos os dias e a todas as horas. mas sinto também que preciso da tua ausência, que o frio que faz lá fora far-me-á tão bem como o calor que me dás cá dentro. vou e voltarei, de certeza. porque volto sempre e tu sabes. e sabes também, que a minha fuga na noite, apenas se prende com o horário que não existe aqui. poderia sair ao meio dia, às 4 da tarde, às 11 da noite mas não, tenho mesmo de pegar nas malas e sair a meio da noite. porque as saídas pela madrugada são sempre mais dramáticas, mais lembradas, mais inesquecíveis e cheias de emoção. são também, histórias mais heroícas de contar, contos de capas que tapam a cabeça e ocultam a identidade, enquanto ela ainda procura o lugar onde quer ir e ser reconhecida. vou então. vejo-te dentro em breve, porque não conto ausentar-me por muito tempo, em tempo de rocha. até breve.

até breve. já volto.