sábado, 31 de outubro de 2009

.aos paineis luminosos do caminho.

'- era em momentos como estes, que eu costumava pensar em morrer', escreveu ela num papel bonito, decorado como os quartos antigos, cheios de memórias de muitos tempos, de tempos idos, dos momentos do presente e das idas e regressos inesperados. Do outro lado da parede algo manifestou a sua existência. Ela levantou os olhos da sua concentração de fim de tarde, de sol de outono, quase quente mas ainda assim vestido de casaco. Tentou imaginar o que se manifestava do outro lado mas o silêncio voltou a reinar. Baixou os olhos, pegou de novo no lápis, partiu o bico ao encostá-lo à folha. Afiou-o. Recomeçou... '- era nesta data que pegava em ti e iamos passear até o dia terminar. Faziamos destas horas, horas de vida, de cor, sabias como fazer-me sorrir mas preferias ver-me a desfazer-me em risos e enchias-me de brincadeiras insensatas, reprovadas pelos crescidos que por nós passavam. não te importavas com os olhares reprovadores e fazias-me cocégas até não conseguir respirar mais, de tanto rir. Quis ver-te mais uma vez mas todos me impediram. Não quero acreditar que foste. Que me quiseste deixar. ' Parou, olhou e releu, chorou de saudades e voltou a ter vontade de morrer. Não vontade de se matar, mas de morrer. Levantou-se e apanhou um papel caído no chão em que não havia reparado antes. No papel dizia: '-Eu não fui.' e ouviu-se um estrondo gigante vindo do silêncio anterior. O silêncio que se seguiu foi mais assustador porque parecia que o tempo tinha gelado e ela sentiu-se congelada pelo som e pela sua ausência posterior.
Saiu a correr do quarto, do corredor, de casa, bateu com a porta, correu pela rua e foi bater na casa abandonada ao lado da sua. Parou junto à porta fechada, respirou fundo para reaver o fôlego e enchendo-se de toda a coragem do mundo, aquela que só o Amor consegue dar em momentos de loucura destemida e gritou: 'SEI QUE NUNCA PARTISTE, ABRE!'
Entrou...


Do lápis pousado pouco sobrou, apenas as aparas caídas no caixote e as suas amigas raspas de borracha verde, que mais borrou o papel do que apagou o desenho. Nunca voltou a ter vontade de morrer. Tudo se explicou numa fracção de tempo curto.